A Justificação pela Fé
“Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça”. (Romanos 4.3).
Completamos a primeira etapa da exposição que o grande apóstolo faz da fé cristã, nestes estudos da carta de Paulo aos Romanos. Na parte anterior da carta, demonstrou a necessidade universal que há da salvação. Tendo examinado a condição de justiça, isto é, a situação e desempenho morais tanto dos judeus como dos gentios, conclui que não há diferença, sendo que todos pecaram e carecem da glória de Deus. Então, passa a nos mostrar que é exatamente a esta altura que Deus assume o comando da situação. As divisões em versículos são convenientes para achar referências na Bíblia, mas – às vezes – perdemos alguma verdade muito importante se lemos a Bíblia por versículos ao invés de por frases completas como se faz em livros comuns. Gostaria de mostrar-lhe como se aplica isto numa passagem-chave no capítulo 3. Aqui está a frase completa: “pois não há distinção. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; sendo justificados gratuitamente pela sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs como propiciação, pela fé, no seu sangue,” (Romanos 3:22b-25a). Esta frase nos ensina não somente como Deus solucionou o problema do pecado e da culpa do homem, como também que Ele o solucionou quando o homem estava completamente sem esperança. A solução que Deus oferece ao problema da culpa do homem, justificando o pecador culposo pela graça, mediante a fé, e a mensagem central da Bíblia. É este o Evangelho de Jesus Cristo.
No começo desta série de estudos, indiquei o fato de que esta carta de Romanos já foi usada para chamar a igreja do meio da apatia e do erro mais de que qualquer outra parte da Bíblia. A carta aos Romanos trouxe esta renovação e reavivamento à igreja porque nela temos a declaração mais plena deste princípio essencial da salvação – a justificação pela fé. Esta é a doutrina principal da fé cristã. Qualquer erro nesta matéria nos fará incidir em erro e em tudo o mais que se referir à salvação.
Antes de examinar a clara e inspirada exposição que Paulo faz desta doutrina, gostaria de tecer dois comentários preliminares. O primeiro diz respeito à nossa indiferença a essa doutrina, e à nossa negligência da mesma. A doutrina da justificação pela fé é a doutrina em cuja defesa nossos pais sofreram, se sacrificaram e morreram. Era a descoberta principal da Reforma Protestante do século dezesseis, e sua restauração resultou no maior reavivamento que a igreja já experimentou desde o Pentecostes. É a doutrina pela qual a igreja ou é sustentada ou cai, segundo Lutero, e que Wesley, duzentos anos mais tarde, chamou de a doutrina que revela se o crente está de pé ou não. Ambos queriam dizer a mesma coisa: crer e ensinar significa crer e ensinar o Evangelho de Jesus Cristo, enquanto negligenciá-la ou negá-la significa o abandono do Evangelho de Cristo. Paulo expõe isto de maneira lúcida em Romanos, e o defende em Gálatas. Quando estava sendo atacado este princípio fundamental de justificação pela fé somente, ou quando estava sendo ameaçado de meios termos, Paulo escreveu aos irmãos da Galácia: “Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vai além do que vos temos pregado, seja anátema.” (Gálatas 1:8). Esta foi uma advertência à igreja do primeiro século, e, se entendemos a nossa própria época, perceberemos que a advertência se dirige à nossa situação hoje. Os que deixam de lado a doutrina da justificação do pecador, mediante a fé, e da total necessidade da salvação individuais, considerando-a irrelevante, e que mudam em evangelho de ação política, econômica e social que visam exclusivamente valores materiais, pregam, na realidade, outro evangelho, merecendo assim a condenação por parte do apóstolo. Devemos pregar o Evangelho da redenção mediante a morte de Cristo, o evangelho da necessidade da justificação do pecador, não somente por este ser o Evangelho que Deus nos revelou, e não somente porque satisfaz as necessidades mais profundas do homem, mas também porque a história nos ensina que somente mediante este evangelho é que recebemos as reformas sociais tão urgentemente desejadas e necessárias. A igreja dos nossos dias precisa mais uma vez atender a chamada que nos manda pregar o Evangelho, o Evangelho da justificação pela graça mediante a fé.
O segundo comentário preliminar diz respeito ao método que Paulo usa quando trata do assunto. Em primeiro lugar, há a exposição completa da doutrina propriamente dita, que começa no versículo 21 do capitulo 3, e continua para dentro da primeira parte do capítulo 4. Então, após a exposição, Paulo ilustra a doutrina evangélica ao descrever a salvação de Abraão. Desta forma, ensina de dois modos diferentes a justificação pela fé: pelo preceito e pelo exemplo. É importante que percebamos isto, porque assim poderemos entender o capítulo 4, que parece ocupar-se exclusivamente com a fé de Abraão. Esta longa explicitação da fé de Abraão, com um referência adicional a Davi, nos mostra que existiu sempre um único meio de salvação. Tanto na época do Antigo Testamento como na do Novo Testamento, os homens têm sido salvos pela graça e justificados pela fé. O princípio pela graça mediante a fé é o ensino de toda a Bíblia. Paulo cita o exemplo de Abraão para demonstrar que esta não é uma nova doutrina: o Evangelho de Cristo é o cumprimento da promessa original que Deus fez a Abraão e a todo o Seu povo.
Esta explicação se faz necessária nesta altura, porque existem muitos que têm um conceito errado da Bíblia nesta matéria, pensando que o Antigo Testamento ensina a salvação mediante a lei e as obras, e que o Novo Testamento é que ensina a salvação pela graça. Paulo demonstra a falsidade de tal conceito. Quando introduz o princípio da graça no capítulo 3, diz que foi testemunhada pela lei e pelos profetas (Romanos 3:21). A unidade da Bíblia a respeito dessa matéria ilustra-se com clareza no fato de que neste capítulo, tratando da doutrina da justificação pela fé, tomamos nosso texto do quarto capitulo de Romanos, que diz: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça”, sendo que esta expressão é uma citação direta que Paulo tira do Antigo Testamento. Quando Paulo procura uma declaração nítida do princípio da justificação pela fé, pergunta: “Pois, que diz a Escritura?” e tira a sua própria resposta, citando este versículo de Gênesis. Gênesis nos ensina o significado da justificação pela fé. Numa declaração expandida, podemos dizer: “Deus, sem nenhum mérito realmente meu, concede-me, apenas por sua graça, os benefícios da perfeita expiação de Cristo, imputando-me sua justiça e santidade, como se eu nunca tivesse cometido um simples pecado ou jamais tivesse sido pecador, tendo cumprido eu mesmo, toda a obediência que Cristo executou por mim, se somente aceito tal favor com um coração confiante.” (Catecismo de Heidelberg, pergunta 60 – Transcrito de “O Livro de Confissões”).
Gostaria agora de convidar o leitor a prestar atenção a quatro pontos chaves na doutrina bíblica da justificação.
Em primeiro lugar, a justificação é um ato de Deus. É aqui que Paulo começa. Indica que Abraão creu em Deus, o que significa que creu na promessa de Deus. No capitulo 8, diz: “É Deus quem os justifica”. “Quem os condenará?”. A justificação é um ato de Deus; não somos nós que nos justificamos a nós mesmos. Esta verdade deve ser enfatizada porque o nosso modo de pensar centraliza o homem, hoje em diz, que até nosso conceito da salvação é completamente baseado no homem. Tal conceito invade nosso pensamento de modo inconsciente. Recentemente, um estudioso no campo da teologia histórica mencionou-me que tinha saído um novo livro sobre a justificação, escrito por um evangélico. Reconheceu os méritos do livro, porém, passou a mostrar que, no livro inteiro, o escritor não citou uma só vez que é Deus quem justifica o pecador. Sutilmente, hoje em dia, encontra-se uma forma de se falar da própria graça, sem contudo mencionar-se o Deus dessa graça.
Essa falha de não haver ressalvas, de que é Deus quem justifica o pecador, é também uma das raízes da insegurança e instabilidade de tantos cristãos atualmente.
É somente porque Deus justifica o pecador, que temos a segurança da salvação. Atente mais uma vez para aquela declaração triunfante: “Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará?” (Romanos 8:33-34a.) É somente porque Deus justifica o pecador que podemos cantar: “Meu Deus está reconciliando, Ouço Sua voz pronunciando o perdão, Ele me chama Seu filho, Nada mais posso temer”.
O segundo ponto do argumento de Paulo é que a justificação é pela graça, sem qualquer mérito nosso. A graça é a atitude favorável de Deus para com o pecador, e não a inserção de alguma qualidade em sua vida. A graça é o favor não merecido. O perdão que recebemos pelos nossos pecados é o dom de Deus, não merecido da nossa parte. Veja com quanta clareza Paulo exclui quaisquer razoes humanas quanto à base ou razão de ser da nossa aceitação diante de Deus: “concluímos pois que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei”. (Romanos 3:28). No capítulo 4, a mesma doutrina aparece nas seguintes palavras: “Ora, ao que trabalha não se lhe conta a recompensa como dádiva, mas sim como dívida; porém ao que não trabalha, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é contada como justiça”; (Romanos 4:4-5).
Paulo cita Abraão como exemplo da justificação somente pela fé, porque Abraão creu na promessa de Deus, e isso lhe foi imputado como justiça, e também para demonstrar que, se um homem como Abraão, que foi chamado amigo de Deus, não pudesse ser justificado pelas obras, então, não existe pessoa alguma que possa ser justificada assim. O próprio Abraão é um exemplo do principio de que todos pecaram e carecem da glória de Deus. O pecar significa errar o alvo. Alguns ficam longe mais do alvo do que outros, mas todos erram o alvo. No verão passado, estive com uns amigos no cume da maior duna de areia do mundo, a duna do Urso Adormecido, no norte de Michigan, EUA. Esta grande duna de areia tem vários quilômetros de comprimento, e mais de seis quilômetros de largura. A orla ocidental é um declive íngreme e abrupto que cai até chegar ao Lago Michigan. Estávamos em pé na beira da duna, olhando para baixo, de onde se descortinava o lago, a umas centenas de metros. Tinha-se a impressão de que o lago ficava exatamente abaixo dos nossos pés; parecia-nos a coisa mais fácil de se fazer, o jogar-se uma pedra na água. Começamos então a atirá-las, e alguns conseguiram atirar mais longe do que outros, mas nenhuma das pedras conseguiu sequer atingir o lago lá embaixo. Foi uma experiência frustrante; parecia tão fácil, porém, quando atirei a pedra usando toda a minha forca, ela se perdeu, sem produzir ruído algum nas areias da duna, não completando talvez a metade do percurso. Somos salvos exclusivamente pela graça, porque todos pecamos e carecemos da glória de Deus.
O terceiro ponto nesta declaração resumida diz respeito à natureza da justificação. Já vimos que é Deus que justifica o pecador, e que Ele o faz exclusivamente pela graça; mas, afinal, o que é que Deus faz quando nos justifica? O que é justificação? A justificação consiste de duas partes. A primeira é o perdão. Na justificação, Deus trata da culpa do pecado, e Seu modo de liquidar o assunto é cancelá-lo. Perdoa os culpados. Paulo tira do Salmo 32 apoio para o seu argumento: É “assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus atribui a justiça sem as obras, dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas iniquidades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputará o pecado”. (Romanos 4:6-8). Isto explica por que a justificação é sempre instantânea e completa. Não existem graus de justificação, porque não há diferentes graus de perdão. Ou um homem é perdoado ou não é. E já que a justificação é – antes de tudo – o perdão dos nossos pecados, uma vez que a pessoa é justificada, ela o é completamente. O mais novo crente é tão completamente justificado na totalidade do seu pecado como a pessoa que já é cristã durante muitos anos.
A segunda parte da justificação é a imputação da justiça de Cristo para conosco. Deus, como reto Juiz, exige a justiça naqueles que são aceitos e aprovados por Ele. Não temos em nos mesmos a capacidade para oferecer a Deus tal justiça. O pecado considerado de um ponto de vista é como uma dívida enorme, que não temos a mínima possibilidade de pagar, e até os respectivos juros estão fora do nosso alcance. Deus, porém, aceita a justiça de Cristo como se fosse a nossa própria. A palavra imputar significa literalmente lançar em nossa conta credora, e mediante o ato gracioso na Justificação, a Justiça de Cristo é computada em nosso crédito. É por essa razão que, na primeira declaração do evangelho que Paulo faz nesta carta, diz: “Porque não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque no evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus, como está escrito: Mas o justo viverá da fé”. (Romanos 1:16,17).
O quarto ponto salientado por Paulo na sua exposição da justificação é que ela é adquirida mediante a fé. Somente podemos recebê-la como dom de Deus; não há nenhuma outra maneira pela qual podemos merecê-la. Esta fé não é uma obra meritória da nossa parte, porque a própria capacidade de crer é, em última análise, um dos de Deus. É por isso que um dos pregadores puritanos da antiguidade, eliminando qualquer conceito de obras ou mérito inerente à fé, disse: “A fé é apenas a mão aberta que recebe”.
Neste capítulo, fica então esclarecido o princípio fundamental do Evangelho de Cristo. Seu pecado pode ser perdoado. Há em Jesus Cristo perdão para a sua culpa. Ele já pagou a penalidade mediante a Sua morte na cruz. Eliminou a culpa; e, se você deposita nEle toda a sua confiança, você também poderá ser justificado.
É o que queremos dizer a você em nosso convite: “Crê no Senhor Jesus, e serás salvo” ( Atos 16:31a ).
Jesus chorou.